SUPERMAN: NASCE UMA LENDA

Por Josélio Bezerra
Hoje trago para vocês a primeira parte de uma série de textos sobre a criação do Superman e sua evolução através das décadas.
Comecemos nossa saga na década de 1930, um dos períodos mais conturbados do século XX, tivemos Flash Gordon nos quadrinhos, o gigantesco King Kong nos cinemas, Charles Lindbergh cruzando o Atlântico e o surgimento do Jazz. Na Europa, Hitler invadia a Áustria e mesmo com as afirmações do Primeiro Ministro inglês Chamberlain de que haveria “Paz no nosso Mundo”, a visão das tropas do Führer  não encorajava ninguém a pensar nessa “Paz”. Porém o que mais marcou os americanos foi a Grande Depressão, desencadeada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929.
Todos esses fatores contribuíram para o surgimento do primeiro super-herói dos quadrinhos, originado das mentes de dois jovens de Cleveland, Ohio, chamados Jerome (Jerry) Siegel e Joseph (Joe) Shuster. Esses dois não eram o que se poderia chamar de garotos-modelos, não gostavam de esportes e nem eram populares com as garotas, no entanto, após deixarem o colegial em 1934, deram como legado ao mundo seu maior protetor, O SUPERMAN.

Jerry Siegel e Joe Shuster – Criadores do Superman

Hoje todos conhecem a história do Homem de Aço, único sobrevivente do extinto planeta Krypton, que veio para a Terra ainda criança e se tornou o maior super-herói do mundo, o que poucos conhecem é a história por trás da história. Tudo começou no inicio dos anos 30 nos corredores barulhentos da velha Glenville High School. Fazendo um trabalho de detetive foi possível localizar fragmentos de memória, pedaços de um verão que podem ajudar a montar esse quebra-cabeça.

A Glenville High School

A Glenville High School foi rebatizada como Franklin Delano Roosenvelt Junior High em 1964, mais a sala onde funcionava o jornal escolar The Glenville Touch, de 1931 a 1934 continua lá. Se nos fosse permitido olhar aquela sala em qualquer dia da semana de 1932, toparíamos com um estudante especial que fazia parte do quadro do jornal, seu nome Jerome Siegel, com certeza o mais ativo de todos.
Fora do jornal, Siegel era tímido, envergonhado, usava óculos que escorregavam pelo nariz, Siegel possuía uma alma de D´artagnan em um corpo subnutrido. Após as aulas trabalhava como entregador em uma gráfica pela quantia US$ 4,00 por semana, com o qual ajudava a família. Nos momentos de laser ocupava sua mente com as histórias fantásticas de autores como Edgar Rice Burroughs e H. G. Wells, além das histórias em quadrinhos de Buck Rogers e Doc Savage. Fato marcante de sua adolescência era o hábito de chegar atrasado para a primeira aula, percebia-se sempre o pijama por baixo de sua roupa, antecedendo o hábito de Clark Kent usar o seu uniforme por baixo das roupas comuns.

Em 06 de Outubro de 1932 Jerry resolveu lançar um fanzine, no qual era o proprietário, editor, secretário, tesoureiro e office-boy, chamado Science Fiction: The Advanced Guard of Future Civilization (Ficção Cientifica: A Guarda Avançada da Civilização do Futuro). Nas páginas mimeografadas do que foi um dos primeiros “fanzines” produzidos, Siegel escrevia editoriais, críticas e histórias sob vários pseudônimos, tudo acompanhado por ilustrações de Shuster e outro colega do colégio, ele cobrava quinze centavos de dólar por exemplar.

Entre os ilustradores que mais se destacaram encontramos um certo Joe Shuster. Siegel e Shuster se conheceram por obra de um primo de Siegel e tornaram-se amigos de imediato, pareciam irmãos. Ambos usavam óculos, eram tímidos e devoravam tiras de jornais e “pulps”, revistas em quadrinhos baratas de ficção.
Em Janeiro de 1933, no número 02 do fanzine, Siegel publicou sob o pseudônimo de Herbert S. Fine um conto chamado “The Reign of the Superman”, que foi ilustrado por Shuster. Na história o professor Ernest Smalley tira um “vagabundo faminto” de uma fila para comprar pão e injeta nele um composto firmado por um elemento
que isolou de um meteoro.

The Reign of the Superman

O sujeito da experiência (chamado o tempo todo de “Superman”) ganha imediatamente o poder da percepção extra-sensorial, seu primeiro ato é assassinar seu criador e começar uma onda de crimes, inclusive com a escravização de outras pessoas, tudo com o seu poder mental.
Seu plano consiste em gerar pensamentos de ódio que fariam a humanidade se voltar contra ela mesma. Siegel concluiu seu texto quando o Superman é confrontado por um repórter que faz uma prece de salvação para o “Onipotente”, o soro perde o efeito, deixando apenas um homem desiludido e caído no lugar de um ser poderoso.

Siegel achou a ideia boa demais para ser desperdiçada com um vilão, então em uma noite de verão no ano de 1933 nascia aquele que viria a ser o mais famoso super-herói do mundo, não inteiramente, mas aos poucos durante uma longa noite de insônia. Alguns anos depois Siegel contou a um repórter do jornal Saturday Everning Post como tudo começou:

“Saltei da cama e escrevi tudo o que me veio á cabeça, então voltei a me deitar e há pensar um pouco mais, por mais ou menos duas horas. Levantei-me novamente e escrevi tudo. Assim foi a noite toda, em intervalos de duas horas, até que, pela manhã tinha um roteiro completo”.
Pouco depois de o sol nascer, Siegel percorreu os doze quarteirões até a casa de Shuster, logo que chegou explicou ao amigo a natureza de sua criação, o qual começou a colocar no papel, em forma de desenho as ideias do amigo. A essência do personagem reuniu três temas bastante usados nas revistas da época, só que em separados, o ser de outro planeta, o homem com poderes sobre-humanos e a dupla identidade. A maneira como Siegel uniu esses temas em um único personagem foi o que tornou o Superman um sucesso. De todos os poderes o único herdado da sua versão anterior foi a Visão Telescópica.
O conceito do ser de outro planeta vivendo entre humanos tem sua base ficcional no romance Micromegas, de Voltaire, escrito em 1752, sendo copiado através dos anos por outros autores. Foi, o autor John W. Campbell, e o seu livro Aarn Munro que melhor desenvolveu o conceito de um ser alienígena vivendo na Terra e tendo superpoderes.   Seu personagem era filho de terrestre que havia crescido em Júpiter e que chegando à Terra adquiriu poderes especiais graças a atmosfera menos densa do que a nossa.
Essa explicação foi usada por Jerry para explicar os poderes do Superman. Porém a fonte primordial onde Jerry buscou inspiração para seu personagem foi o romance Gladiator, de Philip Wylie, um estrondoso sucesso em 1930, que o próprio Siegel havia resenhado no seu fanzine. O fato de o personagem possuir dupla identidade era original, já que não era o homem disfarçando-se de super-herói, como era com outras revistas da época, mais o contrário. Siegel e Shuster tiveram seus dias de donos do mundo, mundo este centralizado na cidade de Metrópolis, batizada assim em homenagem a obra-prima cinematográfica da ficção cientifica do alemão Fritz Lang.
Nesses oitenta e cinco anos uma pergunta ainda tira o sono dos historiadores. Clark Kent e Lois Lane são frutos da imaginação de Siegel ou versões estilizadas de pessoas reais, como era seu costume ao criar personagens para as histórias publicadas no The Touch?
Descobriu-se que existiu uma aluna chamada Lois Amster na qual Siegel se baseou para a criação de Lois Lane. Segundo Siegel, Lois Amster era uma garota linda, inteligente e principalmente independente, ou seja, tinha os mesmos atributos psicológicos da Lois dos quadrinhos. Na entrevista que os criadores do Superman deram a jornais da época o desenhista Joe Shuster disse que para desenhar Lois Lane se inspirou em uma garota chamada Joanne Carter, que havia respondido a um anuncio no jornal Plain Dealer que pedia uma modelo.

Lois Amster, que serviu de inspiração para a criação de Lois Lane

E quanto a Clark Kent? Exatamente como ocorreu com Lois Lane, Clark foi o resultado da fusão de duas ou mais pessoas, o nome nada mais é que a junção dos nomes de dois astros do cinema da época, Clark Gable e Kent Taylor. Já fisicamente Clark foi inspirado no seu próprio criador, fato esse confirmado por Siegel em uma entrevista ao jornal USA TODAY em 1983. Quanto ao Superman, afirmaram que sua fonte de inspiração foi o ator de filmes mudos Douglas Fairbanks.

Douglas Fairbanks

Para o uniforme do Superman, Shuster adaptou a roupa usada pelos acrobatas dos circos, uma malha colorida colada na pele com uma sunga por cima das calças, além de um cinto. Já as marcantes botas de um vermelho vivo só iriam ser acrescentada ao uniforme do Superman alguns anos depois, originalmente ele usava uma sandália no estilo grega, com tiras no tornozelo.. Foi acrescentada, também, uma longa capa, que cria a ilusão de movimento e velocidade. No peito, Shuster criou um símbolo inspirado nas insígnias dos policiais, com a diferença de que a do herói tinha um “S” no centro, ao longo dos anos ele se tornou um dos símbolos de super-heróis mais conhecidos do mundo. Durante os cinco anos entre a sua criação e publicação, o Superman foi rejeitado por praticamente todas as editoras e syndicates, distribuidoras de quadrinhos em forma de tiras para jornais do mundo inteiro. Eles afirmavam que “era um trabalho ainda imaturo”.
Diante disso os dois criadores decidiram tentar o mercado editorial canadense, aproveitando do fato de que Joe possuía parentes na cidade de Toronto. Porém a resposta que tiveram foi de que o personagem não teria “um apelo duradouro”, mesmo assim encontramos uma pequena influência canadense nas primeiras histórias do Superman, diferente de hoje, Clark Kent não era repórter do Daily Planet, mas sim, do Daily Star que foi inspirado no jornal Toronto Star. Assim uma das criações mais rentáveis da história passou meia década mofando dentro de uma gaveta.
Para poderem sobreviver os dois conseguiram emprego em uma pequena editora chamada National Periodics, que havia sido recentemente comprada pelo milionário Harry Donenfeld. Ele pretendia reunir material para lançar uma nova revista, mas os dois, por não confiarem totalmente no novo proprietário, resolveram esconder dele sua criação.

Harry Donenfeld

Mas por uma verdadeira ironia cósmica seu trabalho estava com o editor Max C. Gaines, que momentos antes de mandar o material de volta para Siegel recebeu um telefonema de Harry perguntando se ele teria algum material que pudesse ser usado em uma nova revista, Max resolveu mandar o material de Jerry e Joe para Harry, que remontou as tiras em formato apropriado para revistas em quadrinhos.
Conformando-se com o fato de que jamais veriam o Superman publicado em forma de tiras de jornais, Jerry e Joe aceitaram ver sua criação na forma de revista em quadrinhos. Com a promessa de Harry de que os dois seriam os responsáveis pela equipe de criação resolveram assinar um contrato-padrão que cedia os direitos de publicação para a National Periodics. Com esse contrato assinado, Siegel e Shuster receberam um cheque no valor de US$ 130,00 pelos noventa e oito quadrinhos, que seriam impressos como uma revista de treze páginas, e tendo Sheldon Mayer como primeiro editor.
Em 18 de abril de 1938, teve inicio a “ERA DE OURO” dos quadrinhos, com a publicação da revista ACTION COMICS #01, a qual trazia na capa um homem com uma malha colorida e usando uma longa capa vermelha e erguendo um carro sobre a cabeça, ao ver essa capa Donenfeld disse apenas uma palavra: “Ridículo”, ironicamente a revista que na época valia cerca de 10¢ foi arrematada em um leilão, em 2014, por cerca de US$ 3,2 milhões.
Entre 1938 e 1939, Action Comics já possuía uma tiragem de mais de 500 mil exemplares, mais do que o dobro da tiragem inicial de Action Comics #01, que foi de cerca de 200 mil exemplares. A história contava o que havia acontecido em um imenso planeta chamado Krypton, localizado em uma galáxia distante, muito mais avançado do que a Terra no ano de 1938.
Desde sua primeira publicação, em Action Comics n° 01 que os poderes do Superman são “explicados”, nessa caso temos um texto, na primeira página com a seguinte descrição:
“A constituição física dos habitantes do planeta de onde Kent viera estava milhões de anos mais avançada que a nossa. Ao alcançar a maturidade, as pessoas de sua raça eram dotadas de força descomunal. Incrível? Não! Porque até hoje em nosso mundo existem criaturas com “Super Força”. A formiga é capaz de carregar algo centenas de vezes mais pesado que ela. O gafanhoto salta o que, para um homem, seria o espaço de vários quarteirões.”
Em uma entrevista, poucos anos antes de falecer, Jerry declarou o seguinte sobre o Homem de Aço:
“O que me levou a criar o Superman no início dos anos 30? Ouvir e ler sobre a opressão e o massacre de judeus indefesos e oprimidos na Alemanha nazista… ver filmes que retratam os horrores da privação sofrida pelos oprimidos. Eu tinha o grande desejo de ajudar as massas oprimidas, de alguma forma. Como eu poderia ajudá-los quando eu mal podia me ajudar? Superman era a resposta.”
E chegamos ao fim do primeiro capítulo dessa série sobre o Último Filho de Krypton. Logo trarei mais algumas partes dessa longa história.
Boa leitura para todos!

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  • Leonardo Vieira

    Aguardando os próximos capítulos dessa série. Muito interessante conhecer mais sobre esse personagem que tanto amo!

    • Joselio Bezerra

      Muito obrigado pela visita Leo.