REVIEW DE A HISTÓRIA DE JOE SHUSTER: O ARTISTA POR TRÁS DO SUPERMAN

Todos sabem que o mito do Superman tem um toque quase messiânico, servindo como um farol de esperança, um protetor dos vulneráveis, um guardião da justiça. Porém, mesmo com toda a imaginação e admiração que ele inspirou, há uma história sombria e trágica por trás de sua criação que é pouco conhecida pela maioria das pessoas.

Antes de haver um planeta Krypton, antes de haver um Clark Kent, uma Lois Lane ou um Lex Luthor… Antes mesmo de existir os quadrinhos como a gente conhece hoje, havia dois jovens judeus de Cleveland chamados Jerome “Jerry” Siegel e Joseph “Joe” Shuster.

Essa dupla de amigos eram, como a grande maiorias dos outros jovens da época, dois sonhadores, e usavam suas fantasias para escapar da degradação causada pela da Grande Depressão, ocorrida nos anos 1930. Shuster já desenhava desde cedo e estava determinado a superar a penúria de sua família e se tornar um verdadeiro artista, já o Jerry, um garoto tímido, esquecido por meninas e colegas de escola, retirou-se para o mundo escrito, como forma de tornar sua presença conhecida pelos outros.

Em “A História de Joe Shuster: O Artista por trás do Superman” (The Joe Shuster Story: The Artist Behind Superman), os experientes biógrafos de quadrinhos, o escritor alemão Julian Voloj e o ilustrador italiano Thomas Campi retrataram, de uma forma comovente, a história do Shuster e sua luta para reaver os direitos de sua criação.

Desde as cenas iniciais, que mostram Shuster dormindo em um banco de parque, até flashbacks detalhando cada triunfo da criatividade e processo ignominioso sobre o Superman, vemos ele, juntamente com seu grande amigo Jerry Siegel, passar de um homem em seu elemento para uma pessoa derrotada pela avareza.

A narrativa historicamente sólida de Voloj soa com verossimilhança, enquanto que Shuster é capturado de uma forma tão maravilhosamente nestas páginas, nos mostrando uma figura empática: um homem com tudo a ganhar e tudo a perder.

Capa de “A História de Joe Shuster: O Artista por trás do Superman”

Complementando a história de Voloj está a emocionante arte em aquarela de Campi, que, embora se mantenha fiel ao quadro biográfico e histórico do livro, também tende a se desviar, de uma forma lindamente, para o surrealismo em alguns momentos. De fato, é uma das artes mais emocionalmente ressonantes produzidas para uma HQ em muito tempo.

A história e tragédia de Shuster são bem conhecidas entre os fãs das HQs, incluindo o fato dele e do Siegel terem vendidos os direitos do Superman por míseros 130 dólares, sua gradual perda de visão, causando sua incapacidade de continuar desenhando, e por fim seu declínio no anonimato e pobreza, antes de finalmente receber reconhecimento e uma pensão da DC no final da década de 1970. Várias biografias e histórias perspicazes e valiosas dos criadores do Superman e do meio dos quadrinhos como um todo contaram a história de Shuster, mas nenhuma contou essa história em seu meio nativo, ou seja, em forma de quadrinhos.

O escritor Julian Voloj e o desenhista Thomas Campi

Em entrevista concedida ao site Comic Book Resources (CBR), o escritor Voloj declarou o seguinte:

“O foco em Joe Shuster veio mais por coincidência. Quando eu estava explorando a ideia de transformar a história em uma graphic novel, soube que alguém doou uma caixa de cartas, escritas por Joe Shuster, para a Universidade de Columbia. Entrei em contato com a bibliotecária Karen Green e tive acesso às cartas antes mesmo de serem totalmente catalogadas. Eram cartas de partir o coração, a maioria delas por volta de 1965-1970, quando ele estava lutando para pagar contas médicas e temendo ser despejado. Ler sobre suas dificuldades em suas próprias palavras me fez decidir que ele se tornaria o narrador. O livro não é apenas a história das origens do Superman, mas é acima de tudo a história de uma amizade, e acho que Shuster muitas vezes se juntou a Siegel em seus empreendimentos por causa da amizade leal.”

Jerry Siegel & Joe Shuster

Porém manter o Shuster em primeiro plano durante a escrita da história era muitas vezes difícil, já que o parceiro mais assertivo, o Siegel, em vários momentos assumia a liderança em suas relações criativas, comerciais e pessoais. Em outro ponto da entrevista, Voloj disse:

“Joe era definitivamente o mais silencioso da dupla dinâmica, aquele que tomou a iniciativa, seja negociando com potenciais editores, mesmo antes da criação do Homem de Aço, ou decidindo ir à Justiça para lutar por seus direitos. O livro não é apenas a história das origens do Superman, mas é acima de tudo a história de uma amizade, e acho que Shuster muitas vezes se juntou a Siegel em seus empreendimentos por causa da amizade leal.”

Falando agora sobre o ilustrador Thomas Campi, que nos trouxe uma arte impressionante, não é surpresa que ele seja um ilustrador premiado. Sua arte é livre das linhas de tinta dos quadrinhos tradicionais, exceto pelas sequências de enquadramento deliberadamente contrastante.

 

Momento em que Jerry & Joe descobrem que a National Periodics irá publicar o Superman e o recebimento do cheque de 130 dólares.

 

Os adereços, cenários e figurinos conseguem evocar o período sem nos distrair da história, seus personagens são reconhecíveis a partir de fotos sobreviventes, com seus designs simplificados, atraentes e muito mais eficazes do que a inclinação da aderência servil às fotos de referência.

Inúmeros destaques incluem visualizações das histórias que a dupla leu, e Siegel escreve, imagens sobrepostas das revistas de ficção científica que eles estão entusiasmados e fotos repetidas de Jerry trabalhando em diferentes estações, com roupas mudando de roupas de inverno para roupas íntimas.

Em alguns pontos da trama percebe-se o esforço em dar mais atenção ao desconfiado e tímido desenhista Shuster, nascido no Canadá. Isso já se justifica pelas posturas desenhadas de cada um dos criadores do Superman. Siegel é mais inquieto, “esquentado, porém sem ser no nível de um Jack Kirby, se mostrando ser uma espécie de porta-voz quando eles lutavam para recuperar aquela mina de ouro de milhões de dólares, da qual não viram voar um centavo sequer para dentro de seus bolsos.

 

Momento em que Jerry Siegel descobre que não possuem mais os direitos de Superman

Já Shuster tinha menos proatividade nas questões de reivindicações legais e negociações com os engravatados da National Periodics, que no futuro viria a ser a DC, essa sua maneira de atuar nesses casos, o colocava em um segundo plano, justificando assim um dos prováveis motivos que levou Voloj a lhe dar esse protagonismo.

Ainda falando sobre a decisão de fazer de Shuster o núcleo do livro, o escritor Voloj declarou que, para ele o Joe Shuster era o personagem mais trágico, ele era um ilustrador que estava perdendo a visão, que era apaixonado pela Joanne Carter, uma das modelos que serviu de inspiração para a repórter Lois Lane, e seu amigo Jerry Siegel acabou se casando com ela. Focar essa narrativa em sua perspectiva é uma maneira de tirá-lo da sombra de Jerry Siegel, fazer dele o narrador é dar-lhe voz.

Assim como sua criação, o Shuster tinha suas próprias “kryptonitas”, como uma doença espástica, que impedira de passar longos tempos desenhando e, principalmente, seu problema de visão. Dentro do desenrolar da narrativa temos uma situação bem curiosa, ao contrário de Siegel, que assim como o Clark Kent, sempre está de óculos, já o Shuster reluta em usá-los, já que ele não queria admitir o seu constrangimento pela sua falta de visão.

A Editora National começa a investir em Super-Heróis, tendo o Superman como seu carro-chefe

Só recentemente as disputas legais entre as famílias Siegel e Shuster contra a DC sobre a propriedade do Superman só recentemente foram resolvidos, infelizmente pouco tarde para que Siegel ou Shuster pudessem aproveitar os benefícios oriundos do término dessa luta. Os eventos que se seguiram ao sucesso inicial do Superman foram principalmente lamentáveis para seus criadores, principalmente para Shuster.

O único problema dessa HQ é o seu ritmo, já que temos tantas histórias interligadas que ela tem que ser comprimida para que isso seja lido como uma história em quadrinhos e não como um livro didático. Grande parte da ação é antecipada como material expositivo, porém isso nos trás a desvantagem de que todos os detalhes nas primeiras partes do livro, juntamente com a história emocionante, acabam fazendo com que o final nos pareça um pouco abrupto.

No entanto a obra em geral nos mostra que, sem a mão firme de Joe Shuster, onde estaríamos como cultura? Enquanto a ganância corporativa, a maldade monetária e o azar de Shuster transformaram o que deveria ser uma história de sonho americano em uma história de processos, humilhação e pobreza, esta é, em última análise, uma história de redenção.

Joe, Jerry e sua maior criação… SUPERMAN

De fato, no final, “A História de Joe Shuster” é um conto de aspiração desenfreada em um mundo assolado pelas crueldades da realidade, o Superman como uma extensão da imaginação de Joe e Jerry, é o encapsulamento da bondade, bondade e franqueza humanas. E isso é sempre algo pelo qual vale a pena lutar.

Por mais triste que seja “A História de Joe Shuster”, ainda que nos mostre uma história com um final triste, é algo que deve ser conhecido, compartilhado e ensinada para não só os fãs do Superman, mas para todos os fãs de HQs.

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